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quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Os Fantasmas do Túnel Rebouças



O Rio de Janeiro é uma cidade completa.  Tem ilhas paradisíacas, uma floresta urbana, praias bonitas, cachoeiras... e um monte de construções com fama de assombradas.

Vamos falar um pouco sobre uma construção que não tem apenas uma história de fantasmas, mas duas. Não é uma casa, nem um prédio, nem um castelo. É um túnel!

O Túnel Rebouças, com seus impressionantes 2.800 metros, liga a zona norte (bairro do Rio Comprido) à zona sul (bairro da Lagoa). Foi construído entre os anos de 1962 e 1967, na época em que o governador era Francisco Negrão de Lima e que a cidade do Rio de Janeiro era o Estado da Guanabara.

O nome Rebouças foi dado para homenagear a memória de dois irmãos, André e Antônio Rebouças, engenheiros baianos e netos de uma escrava alforriada. Os irmãos Rebouças (que na verdade eram três, havia também o José) além de engenheiros eram: inventor e abolicionista (André) e militar (Antônio) O túnel Rebouças é composto por duas galerias paralelas, cada uma recebendo o nome de um dos irmãos.  Nada mais justo. Uma impressionante obra de engenharia homenageando dois notáveis engenheiros.


Histórias (Assombradas) do Rebouças
Existem duas histórias assombradas com palco nesse local.

Uma delas se limita a relatos de trabalhadores da manutenção do túnel. Há muitos anos atrás (lá pelos idos de 1990) um jornal aqui do Rio de Janeiro publicou uma reportagem com vários relatos de pessoas que teriam presenciado aparições pela cidade. Um desses relatos era o de um trabalhador que trabalhava na manutenção do túnel. Em uma de suas rondas, na madrugada, o funcionário disse ter visto uma mulher loura, toda vestida de branco e com um sorriso sinistro. O mais inusitado, segundo a reportagem (e eu não inventaria isso, porque sempre achei a parte mais estranha do relato) a tal mulher caminhava no teto, nas passagens de serviço entre as galerias e nas próprias galerias.
 
Imagine atravessar isso tudo a pé... de noite... sozinho!


É isso. Nenhuma menção sobre quem seria essa tal loura ou sobre o que ela estaria fazendo lá... além de assombrando, claro.
 
 Por ser uma lenda pouco divulgada, os Colaboradores de Lendas Urbanas de Plantão não tiveram a oportunidade de incrementar a história da suposta aparição.  Ninguém disse que ela poderia ser:

- Uma noiva que morreu na semana de seu casamento em um acidente dentro do túnel e que agora vaga pelo local procurando o responsável.

- Uma noiva que morreu indo para o seu próprio casamento em um acidente dentro do túnel e que agora vaga pelo local procurando o responsável (é parecido, mas é diferente). 

- Uma mulher que foi abandonada pelo marido e resolveu se matar dentro do túnel, fazendo seu carro colidir intencionalmente. Só descobriram que foi suicídio por uma carta encontrada no porta-malas do carro. O fantasma dela agora ronda o local procurando maridos e namorados infiéis para matá-los.

- Uma dependente química que morreu de overdose nas proximidades do túnel, nas matas que rodeiam o local. Seu espírito vagará pelo túnel até que o corpo receba um enterro decente.

- Uma mulher que foi morta durante a construção do túnel por um dos engenheiros que trabalhou no local na época. Ela era amante do cara e estava ameaçando revelar o segredo para sua esposa. Com a ajuda de um cúmplice (um irmão dele ou um operário da obra que lhe devia um favor) ele enterrou o corpo da mulher no local da construção.  A mulher agora vaga pelo local procurando vingança contra as pessoas que a mataram e seus descendentes.

Gostei mais dessa última.  É bem clichê, mas foi o que consegui arranjar.

A outra história é mais elaborada.


Conta-se que, durante algum tempo, um opala preto atravessava o Rebouças nas madrugadas, correndo sempre em curso de colisão. Em alguns casos o carro sumia antes do impacto. às vezes não.

Aqui vou fazer uma pequena observação. O Poderoso Opala lá pelas décadas de 1970 e 1980 era o carro padrão dos matadores da Baixa Fluminense e dos bandidos motorizados em geral.  O carro tinha um bom arranque e ganhava muita velocidade, mas por ter a parte de trás leve, perdia estabilidade quando corria.  Qual a melhor solução para isso?  Bom, o porta-malas do Opalão era grande, cabia de 3 a 5 presuntos lá dentro. E não estou falando de presuntos suínos.  Então com a quantidade certa de defuntos no porta-malas, você podia fugir da polícia sem preocupação.

A fama de carro de bandido era tão grande, que a própria Chevrolet lançou a seguinte pérola propagandística:

Continuando...

A origem dessa história teria começado lá na década de 1970. Havia um bandidão na cidade que teria roubado um Chevrolet Opala SS preto (Estilosão! Mais badass motherfucker impossível!) e, ao ser perseguido pela polícia, acabou colidindo com o fusca (que transportava uma família) e todos morreram dentro do túnel. A internet diz que seu nome era alguma coisa fulano de tal Ubiratã.  Não estou me preocupando em reproduzir o nome todo do tal fulano aqui porque é um dado provavelmente inventado.  Assim como os crimes que foram atribuídos ao tal cara.  Eu prefiro acreditar que ele era só um ladrãozinho, talvez pé de chinelo, que resolveu roubar um carrão e virou churrasco fugindo da polícia.
Algum tempo depois, motoristas que cruzavam o túnel de madrugada começaram a relatar a aparição do tal Opala SS preto que corria em curso de colisão com outros carros, algumas vezes perseguindo, algumas vindo pela contramão.
Rola até um "acréscimo" da lenda: se os ocupantes do carro perseguido fizessem uma oração pela intenção da alma dos mortos no túnel, ele sumia e deixava o carro perseguido em paz. Se não, o opala não parava e game over para o carro perseguido. Minha pergunta sempre foi: quem do carro acidentado sobreviveu para contar que ninguém no carro rezou?  Outros contam que a perseguição do Opala SS não terminava em acidentes fatais, por isso os acidentados podiam relatar o que tinham visto.


Em 1988 a cidade e alguns pontos do estado foram atingida por uma grande chuva (4 dias de chuva consecutiva e 300 mortos no Estado  segundo levantamentos!) que, entre outras tragédias, causou um deslizamento de terra que interditou o túnel durante vários dias. Não sei qual a relação, mas desde então os avistamentos do tal carro pararam de acontecer.

De qualquer forma, sempre que eu passo por lá mantenho meus olhos bem abertos. Nunca se sabe que outros moradores o Rebouças ainda pode esconder...
 
Essas fotos são do desmoronamento de 2007... não achei as fotos da década de 80.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

O bebê de tarlatana rosa - João do Rio


- Oh! uma história de máscaras! quem não a tem na sua vida? O carnaval só é interessante porque nos dá essa sensação de angustioso imprevisto... Francamente. Toda a gente tem a sua história de carnaval, deliciosa ou macabra, álgida ou cheia de luxúrias atrozes. Um carnaval sem aventuras não é carnaval. Eu mesmo este ano tive uma aventura...



E Heitor de Alencar esticava-se preguiçosamente no divã, gozando a nossa curiosidade.

Havia no gabinete o barão Belfort, Anatólio de Azambuja de que as mulheres tinham tanta implicância, Maria de Flor, a extravagante boêmia, e todos ardiam por saber a aventura de Heitor. O silêncio tombou expectante. Heitor, fumando um gianaclis autêntico, parecia absorto.

- É uma aventura alegre? indagou Maria.

- Conforme os temperamentos.

- Suja?

- Pavorosa ao menos.

- De dia?

- Não. Pela madrugada.

- Mas, homem de Deus, conta! suplicava Anatólio. Olha que está adoecendo a Maria.

Heitor puxou um largo trago à cigarreta.

- Não há quem não saia no Carnaval disposto no excesso, disposto aos transportes da carne e às maiores extravagâncias. O desejo, quase doentio é como incutido, infiltrado pelo ambiente. Tudo respira luxúria, tudo tem da ânsia e do espasmo, e nesses quatro dias paranóicos, de pulos, de guinchos, de confianças ilimitadas, tudo é possível. Não há quem se contente com uma...

- Nem com um, atalhou Anatólio.

- Os sorrisos são ofertas, os olhos suplicam, as gargalhadas passam como arrepios de urtiga pelo ar. É possível que muita gente consiga ser indiferente. Eu sinto tudo isso. E saindo, à noite, para a pornéia da cidade, saio como na Fenícia saíam os navegadores para a procissão da Primavera, ou os alexandrinos para a noite de Afrodite.

- Muito bonito! ciciou Maria de Flor.

- Está claro que este ano organizei uma partida com quatro ou cinco atrizes e quatro ou cinco companheiros. Não me sentia com coragem de ficar só como um trapo no vagalhão de volúpia e de prazer da cidade. O grupo era o meu salva-vidas. No primeiro dia, no sábado, andávamos de automóvel a percorrer os bailes. Íamos indistintamente beber champagne aos clubes de jogo que anunciavam bailes e aos maxixes mais ordinários. Era divertidíssimo e ao quinto clube estávamos de todo excitados. Foi quando lembrei uma visita ao baile público do Recreio. - "Nossa Senhora! disse a primeira estrela de revistas, que ia conosco. Mas é horrível! Gente ordinária, marinheiros à paisana, fúfias do pedaços mais esconsos da rua de S. Jorge, um cheiro atroz, rolos constantes..." - Que tem isso? Não vamos juntos?"

Com efeito. Íamos juntos e fantasiadas as mulheres. Não havia o que temer e a gente conseguia realizar o maior desejo: acanalhar-se, enlamear-se bem. Naturalmente fomos e era desolação com pretas beiçudas e desdentadas esparrimando belbutinas fedorentas pelo estrado da banda militar, todo o pessoal de azeiteiros das ruelas lôbregas e essas estranhas figuras de larvas diabólicas, de íncubos em frascos de álcool, que têm as perdidas de certas ruas, moças, mas com os traços como amassados e todas pálidas, pálidas feitas de pasta de mata-borrão e de papel-arroz. Não havia nada de novo. Apenas, como o grupo parara diante dos dançarinos, eu senti que se roçava em mim, gordinho e apetecível, um bebê de tarlatana rosa. Olhei-lhe as pernas de meia curta. Bonitas. Verifiquei os braços, o caído das espáduas, a curva do seio. Bem agradável. Quanto ao rosto era um rostinho atrevido, com dois olhos perversos e uma boca polpuda como se ofertando. Só postiço trazia o nariz, um nariz tão bem-feito, tão acertado, que foi preciso observar para verificá-lo falso. Não tive dúvida. Passei a mão e preguei-lhe um beliscão. O bebê caiu mais e disse num suspiro: - ai que dói! Estão vocês a ver que eu fiquei imediatamente disposto a fugir do grupo. Mas comigo iam cinco ou seis damas elegantes capazes de se debochar mas de não perdoar os excessos alheios, e era sem linha correr assim, abandonando-as, atrás de uma freqüentadora dos bailes do Recreio. Voltamos para os automóveis e fomos cear no clube mais chic e mais secante da cidade.

- E o bebê?

- O bebê ficou. Mas no domingo, em plena Avenida, indo eu ao lado do chauffeur; no burburinho colossal, senti um beliscão na perna e urna voz rouca dizer: "para pagar o de ontem". Olhei. Era o bebê rosa, sorrindo, com o nariz postiço, aquele nariz tão perfeito. Ainda tive tempo de indagar: aonde vais hoje?

- A toda parte! respondeu, perdendo-se num grupo tumultuoso.

- Estava perseguindo-te! comentou Maria de Flor.

- Talvez fosse um homem... soprou desconfiado o amável Anatólio.

- Não interrompam o Heitor! fez o barão, estendendo a mão.

Heitor acendeu outro gianaclis, ponta de ouro, continuou:

- Não o vi mais nessa noite e segunda-feira não o vi também. Na terça desliguei-me do grupo e cai no mar alto da depravação, só, com uma roupa leve por cima da pele e todos os maus instintos fustigados. De resto a cidade inteira estava assim. É o momento em que por trás das máscaras as meninas confessam paixões aos rapazes, é o instante em que as ligações mais secretas transparecem, em que a virgindade é dúbia e todos nós a achamos inútil, a honra uma caceteação, o bom senso uma fadiga. Nesse momento tudo é possível, os maiores absurdos, os maiores crimes; nesse momento há um riso que galvaniza os sentidos e o beijo se desata naturalmente.

Eu estava trepidante, com uma ânsia de acanalhar-me, quase mórbida. Nada de raparigas do galarim perfumadas e por demais conhecidas, nada do contato familiar, mas o deboche anônimo, o deboche ritual de chegar, pegar, acabar, continuar. Era ignóbil. Felizmente muita gente sofre do mesmo mal no carnaval.

- A quem o dizes!... suspirou Maria de Flor.

- Mas eu estava sem sorte, com a guigne, com o caiporismo dos defuntos índios. Era aproximar-me, era ver fugir a presa projetada. Depois de uma dessas caçadas pelas avenidas e pelas praças, embarafustei pelo S. Pedro, meti-me nas danças, rocei-me àquela gente em geral pouco limpa, insisti aqui, ali. Nada!

- É quando se fica mais nervoso!

- Exatamente. Fiquei nervoso até o fim do baile, vi sair toda gente, e saí mais desesperado. Eram três horas da manhã. O movimento das ruas abrandara. Os outros bailes já tinham acabado. As praças, horas antes incendiadas pelos projetores elétricos e as cambiantes enfumadas dos fogos de bengala, caiam em sombras - sombras cúmplices da madrugada urbana. E só, indicando a folia, a excitação da cidade, um ou outro carro arriado levando máscaras aos beijos ou alguma fantasia tilintando guizos pelas calçadas fofas de confete. Oh! a impressão enervante dessas figuras irreais na semi-sombra das horas mortas, roçando as calçadas, tilintando aqui, ali um som perdido de guizo! Parece qualquer coisa de impalpável, de vago, de enorme, emergindo da treva aos pedaços... E os dominós embuçados, as dançarinas amarfanhadas, a coleção indecisa dos máscaras de último instante arrastando-se extenuados! Dei para andar pelo largo do Rocio e ia caminhando para os lados da secretaria do interior, quando vi, parado, o bebê de tarlatana rosa.

Era ele! Senti palpitar-me o coração. Parei.

- "Os bons amigos sempre se encontram" disse.

O bebê sorriu sem dizer palavra. Estás esperando alguém? Fez um gesto com a cabeça que não. Enlacei-o. - Vens comigo? Onde? indagou a sua voz áspera e rouca. - Onde quiseres! Peguei-lhe nas mãos. Estavam úmidas mas eram bem tratadas. Procurei dar-lhe um beijo. Ela recuou. Os meus lábios tocaram apenas a ponta fria do seu nariz. Fiquei louco.

- Por pouco...

- Não era preciso mais no Carnaval, tanto mais quanto ela dizia com a sua voz arfante e lúbrica: - "Aqui não!" Passei-lhe o braço pela cintura e fomos andando sem dar palavra. Ela apoiava-se em mim, mas era quem dirigia o passeio e os seus olhos molhados pareciam fruir todo o bestial desejo que os meus diziam. Nessas fases do amor não se conversa. Não trocamos uma frase. Eu sentia a ritmia desordenada do meu coração e o sangue em desespero. Que mulher! Que vibração! Tínhamos voltado ao jardim. Diante da entrada que fica fronteira à rua Leopoldina, ela parou, hesitou. Depois arrastou-me, atravessou a praça, metemo-nos pela rua escura e sem luz. Ao fundo, o edifício das Belas-Artes era desolador e lúgubre. Apertei-a mais. Ela aconchegou-se mais. Como os seus olhos brilhavam! Atravessamos a rua Luís de Camões, ficamos bem embaixo das sombras espessas do Conservatório de Música. Era enorme o silêncio e o ambiente tinha uma cor vagamente ruça com a treva espancada um pouco pela luz dos combustores distantes. O meu bebê gordinho e rosa parecia um esquecimento do vicio naquela austeridade da noite. - Então, vamos? indaguei. - Para onde? - Para a tua casa. - Ah! não, em casa não podes... - Então por aí. - Entrar, sair, despir-me. Não sou disso! - Que queres tu, filha? É impossível ficar aqui na rua. Daqui a minutos passa a guarda. - Que tem? - Não é possível que nos julguem aqui para bom fim, na madrugada de cinzas. Depois, às quatro tens que tirar a máscara. - Que máscara? - O nariz. - Ah! sim! E sem mais dizer puxou-me. Abracei-a. Beijei-lhe os braços, beijei-lhe o colo, beijei-lhe o pescoço. Gulosamente a sua boca se oferecia. Em torno de nós o mundo era qualquer coisa de opaco e de indeciso. Sorvi-lhe o lábio.
Mas o meu nariz sentiu o contato do nariz postiço dela, um nariz com cheiro a resina, um nariz que fazia mal. - Tira o nariz! - Ela segredou: Não! não! custa tanto a colocar! Procurei não tocar no nariz tão frio naquela carne de chama.

O pedaço de papelão, porém, avultava, parecia crescer, e eu sentia um mal-estar curioso, um estado de inibição esquisito. - Que diabo! Não vás agora para casa com isso! Depois não te disfarça nada. - Disfarça sim! - Não! procurei-lhe nos cabelos o cordão. Não tinha. Mas abraçando-me, beijando-me, o bebê de tarlatana rosa parecia uma possessa tendo pressa. De novo os seus lábios aproximaram-se da minha boca. Entreguei-me. O nariz roçava o meu, o nariz que não era dela, o nariz de fantasia. Então, sem poder resistir, fui aproximando a mão, aproximando, enquanto com a esquerda a enlaçava mais, e de chofre agarrei o papelão, arranquei-o. Presa dos meus lábios, com dois olhos que a cólera e o pavor pareciam fundir, eu tinha uma cabeça estranha, uma cabeça sem nariz, com dois buracos sangrentos atulhados de algodão, uma cabeça que era alucinante - uma caveira com carne...

Despeguei-a, recuei num imenso vômito de mim mesmo. Todo eu tremia de horror, de nojo. O bebê de tarlatana rosa emborcara no chão com a caveira voltada para mim, num choro que lhe arregaçava o beiço mostrando singularmente abaixo do buraco do nariz os dentes alvos. - Perdoa! Perdoa! Não me batas. A culpa não é minha! Só no Carnaval é que eu posso gozar. Então, aproveito, ouviste? aproveito. Foste tu que quiseste...

Sacudi-a com fúria, pu-la de pé num safanão que a devia ter desarticulado. Uma vontade de cuspir, de lançar apertava-me a glote, e vinha-me o imperioso desejo de esmurrar aquele nariz, de quebrar aqueles dentes, de matar aquele atroz reverso da Luxúria... Mas um apito trilou. O guarda estava na esquina e olhava-nos, reparando naquela cena da semitreva. Que fazer? Levar a caveira ao posto policial? Dizer a todo o mundo que a beijara? Não resisti. Afastei-me, apressei o passo e ao chegar ao largo inconscientemente deitei a correr como um louco para a casa, os queixos batendo, ardendo em febre.
Quando parei à porta para tirar a chave, é que reparei que a minha mão direita apertava uma pasta oleosa e sangrenta. Era o nariz do bebê de tarlatana rosa...

Heitor de Alencar parou, com o cigarro entre os dedos, apagado. Maria de Flor mostrava uma contração de horror na face e o doce Anatólio parecia mal. O próprio narrador tinha a camarinhar-lhe a fronte gotas de suor. Houve um silêncio agoniento. Afinal o barão Belfort ergueu-se, tocou a campainha para que o criado trouxesse refrigerantes e resumiu:

- Uma aventura, meus amigos, uma bela aventura. Quem não tem do Carnaval a sua aventura? Esta é pelo menos empolgante.

E foi sentar-se ao piano.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Ilha de Brocoió: A Ilha dos Sussurros

Vista aérea de Brocoió
No interior da Baía de Guanabara existe uma ilha que recentemente voltou às manchetes devido à (alegada) falência do Estado do Rio de Janeiro.  É a Ilha de Brocoió.

A ilha faz parte do arquipélago de Paquetá, composto por mais 15 ilhas (Pancariba, Folhas, Nhaquetá, Viraponga, Tapuamas de Fora, Tapuamas de Dentro, Casa de Pedras, do Ferro, Redonda, Comprida, do Manguinho, Jurubaíba, Braço Forte, Itapacis e dos Lobos), juntamente com a ilha de  Paquetá, a principal e a que nomeia o arquipélago.





Atualmente a ilha pertence ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, sendo seu acesso restrito. Lá se encontra uma das  moradias do Governador do Estado. Antes disso, lá pela década de 1930, o lugar pertenceu ao milionário Octávio Guile, responsável pela urbanização e pelo aterramento de sua área, que a transformou de uma ilhota dupla em uma ilha de aproximadamente 200.000 m².
 

Nicolas Durand de Villegagnon
André Thevet
Seu descobrimento é atribuído ao cosmógrafo francês  André Thevet (1502- 23/11/1590), integrante da expedição de Villegagnon, em 1555, época da fundação da chamada França Antártica.

Fim da aula de história.







Vamos começar a história de terror

Os Tamoios, ou Tupinambás, habitavam, entre outros pontos do que viria a ser o Brasil, o litoral norte do atual Estado de São Paulo e o litoral sul de onde hoje fica o Rio de Janeiro. O termo Tupinambá, inclusive, faz referência a diversas tribos que possuíam uma língua comum. Entretanto, essas tribos não mantinham uma unidade, chegando mesmo a guerrear umas com as outras.




Outra característica dos Tamoios era a prática do canibalismo ritual. Essa prática,  segundo historiadores e arqueólogos, era comum em várias comunidades primitivas ao redor do mundo. Além deles outros grupos indígenas também eram canibais (os potiguares, os caetés, os aimorés, e os goitacás). Ao praticarem o canibalismo ritual acreditavam que absorveriam as qualidades de seus inimigos.

Os Tamoios tinham uma utilização interessante e arrepiante para a ilha do Brocoió. Ela era uma prisão para índios rebeldes. 

Quando um índio se rebelava ou ia contra a autoridade de um chefe tribal era levado para a ilha do Brocoió. Na época a ilha era na verdade uma ilhota dupla, ligada por um braço de areia. Não era um exílio com tempo para terminar. O índio rebelde que recebia sua passagem para lá ia permanecer no tal local até morrer.  Eram conduzidos em longas canoas através da Baía, em direção ao seu destino.



O nome da Ilha é a cereja do bolo dessa história toda.

Brocoió é uma corruptela de borocoió (ou segundo o Dicionário Etimológico de Antenor Nascentes, boré-coyá) que significa "sussurros, sussurrante".  

A lenda conta que, durante a noite, os espíritos dos rebeldes que morreram na ilha voltavam do além, ou de onde quer seja que eles estavam, para vagar pela ilha, soluçando, chorando e gritando por socorro.

Uma outra variante da lenda diz que doentes e deficientes das tribos também era levados para lá para morrer. Essa última afirmação fica no campo de "lenda urbana."

Lenda ou não, existem relatos de moradores da Praia Grande, na Ilha de Paquetá, que afirmam ouvir ainda hoje os tais sons que vem da ilha do Brocoió. Praia Grande fica bem de frente para a ilha que um dia foi um presídio.

Fica o convite:

Se um dia você estiver no Rio de Janeiro e ficar em Paquetá depois do pôr do Sol, procure um lugar aconchegante na Praia Grande e apure bem os ouvidos.  E, se você estiver sozinho, talvez consiga se convencer de que aquilo que você está escutando é apenas o vento.

Ilha do Brocoió vista de Paquetá


Ilha do Brocoió (década de 1930/1940)