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segunda-feira, 22 de junho de 2020

O Terror em Tempos Terríveis


O Terror em Tempos Terríveis*
Hedjan C.S.

Um dia desses ouvi uma pessoa dizer que o gênero do terror, tanto na literatura quanto no cinema, está com os dias contados. A primeira página de um jornal ou dez minutos de telejornal tem mais material assustador do que qualquer filme ou livro. Pra arrematar sua argumentação, ela disse:

— Os monstros hoje são boletos vencidos, ficar sem Wi-Fi e dois caras numa moto.

Eu até acrescentaria mais um na lista dela, o medo de ficar duro.

Apesar de compartilhar desses medos modernos, e ser capaz até de elencar mais uns 10 ou 12, esse tipo de declaração está bem longe de ser verdade. O objetivo do terror e do horror nas artes nunca foi o de tentar competir com a realidade. Até porque seria uma batalha perdida. Não existem limites para a criatividade humana, especialmente quando aplicada ao mundo real. Nenhum romancista conseguiu prever os horrores causados pelo nazismo, com seus campos de concentração, fornos e experiências em humanos. Nenhum livro antecipou o ataque com gás sarin ao metrô de Tóquio, em 1995, ou o suicídio-massacre comandado pelo reverendo Jim Jones em Jonestown, na Guiana, em 1979. Isso pra não falar dos assassinos em série, organizações criminosas, infanticídios, maus tratos a animais,  etc. e tal.

O horror, o terror e o suspense na literatura, no cinema, no teatro, na música ou nos quadrinhos possuem uma função, sim. Claro! Eles não estão lá só pra enfeitar. Não é minha pretensão apontar todas essas funções nesse texto, mas pelo menos uma pretendo deixar estabelecida.

H.P. Lovecraft
É sempre importante lembrar que “a emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte tipo de medo é o medo do desconhecido” (LOVECRAFT, 1973 p. 12). As histórias de terror nos acompanham há muito tempo, mesmo antes de termos desenvolvido nosso mais primordial meio de escrita. Tais histórias já tiveram várias funções: estabelecer punições para transgressões, explicar o mundo de uma forma mágica. De histórias ao redor da fogueira, passando pelos desenhos em paredes de cavernas até os atuais leitores de e-book, o medo e suas representações artísticas sempre estiveram presentes.







Apesar de possuir um público fiel e grande, falando agora especificamente de literatura, a Literatura do Medo nunca foi um dos mais prestigiados pelos estudos literários brasileiros. Posso até estar errado, mas talvez essa falta de problematização e de uma visão mais fundamentada pode ter servido para não deixar claro o lugar do Medo nas artes. Não adianta apenas produzir algo. Refletir sobre é importante, especialmente quando se fala em literatura.

Stephen King
Como a linguagem do medo é universal, vou apelar para um escritor americano aqui pra dar uma ajudinha na definição da função do terror/horror na literatura. Stephen King procurou em seu livro chamado A Dança Macabra (Dance Macabre, 1981) dissecar o medo presente nas produções culturais dos anos 50 até os 80. O autor propõe uma explicativa interessante sobre a função do terror e do horror na literatura.









King se baseou na definição de Aristóteles de catarse, meio pelo qual o homem purifica sua alma através de uma representação trágica. Segundo King (apud Aristóteles) o processo catártico tornaria possível extravasar os pavores associados ao horror real através do medo gerado pela narrativa ficcional.

Em outras palavras

“(...) nós inventamos horrores para nos ajudar a suportar horrores verdadeiros. Contando com a infinita criatividade do ser humano, nos apoderamos dos elementos mais polêmicos e destrutivos e tentamos transformá-los em ferramentas – para desmantelar esses mesmos elementos.” (KING: 2007, p. 24)

Nesse sentido, a literatura de terror/horror teria um caráter terapêutico. Todos nós temos medos, monstros fantasmas. Eles estão escondidos em quartos escuros, casas abandonadas e esquinas mal iluminadas de nossas mentes. Muitas vezes eles possuem nomes comuns como medo de ficar doente, morrer, ser assaltado, perder um ente querido, ficar completamente sem dinheiro, etc. A literatura terror, horror ou suspense nos permite dar uma cara para esses monstros, tirá-los da escuridão e arrastá-los para a luz onde podemos dar uma boa olhada neles em segurança.


Para finalizar, ainda dando a palavra para King, nós criamos monstros imaginários para que seja possível lidar com os monstros reais.

Então, da próxima vez que você encontrar alguém lendo algo medonho no trem, no ônibus ou em alguma praça, lembre-se de que aquela pessoa está lidando com seus mais profundos medos através do encontro um monstro que só existe naquelas páginas. E talvez sejam os mesmos medos reais que você mesmo possui.

Verifique se a sua porta está fechada antes de deitar.

Até a próxima.



*Texto publicado originalmente na Revista Breves (fevereiro/março de 2019)



Referências
KING, Stephen. Dança macabra; o fenômeno do horror no cinema, na literatura e na televisão dissecado pelo mestre do gênero. Tradução de Louisa Ibañez. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.


LOVECRAFT, Howard Phillips. O Horror Sobrenatural em Literatura. Tradução de Celso M. Paciornik. Apresentação de Oscar Cesarotto. São Paulo: Iluminuras, 2007.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Herbert West: Re-Animador ou Os Zumbis de Lovecraft

Lovecraft escrevendo contos sangrentos de zumbis?

Acredite, ele já esteve lá!

Resumindo: Herbert West: Re-animador conta a história de um médico, o Dr. West do título, e suas experiências com a vida e a morte. Defendendo a teoria de que o corpo não passa de uma máquina complexa e que, por isso, pode ser reinicializada quando para de funcionar (morre), o bom doutor desenvolve uma fórmula capaz de trazer os mortos de volta à vida. 

A história é contada por um narrador anônimo, uma espécie de assistente do doutor, mostra os esforços nada éticos para testar e aperfeiçoar a tal fórmula. A cada nova tentativa que se transforma em fracasso, os métodos são modificados, tornando-se mais e mais deturpados. Inicialmente a dupla realiza as experiências em uma fazenda abandonada. Depois disso, partem para o clássico roubo de cadáveres. Um pouco mais a frente, assassinato. Tudo em nome da ciência!

Essa não é uma típica história de H.P. Lovecraft. Aqui ele se afasta do horror cósmico e trata de um tipo de horror mais próximo do clichê. Muitos fãs do escritor odeiam essa história, acusando-a de ser rasa, previsível, grosseira, descerebrada (caramba!). Herbert West seria, segundo essas críticas, nada menos do que uma típica história de Cientista Maluco, aquele sujeito capaz de ferrar com metade do planeta pra provar que sua teoria está correta.

A verdade é que o próprio Lovecraft não gostava dessa história. Não gostou de escrevê-la e não gostou do resultado final.

Aí você pergunta, "por que escreveu então?"

Por um motivo bem simples: dinheiro.

O autor estava passando por sérios problemas financeiros na época e a revista pagou 5 dólares por cada trecho da história, que foi publicada seriadamente. Lovecraft precisava de dinheiro. Ponto.

A forma como a história se estruturou também incomodou bastante o escritor. Era uma exigência que cada capítulo terminasse com um gancho para o próximo (o famoso cliffhanger). Além disso, no começo de cada ato havia uma recapitulação do que acontecer no capítulo anterior. Esse tipo de resgate é útil para quem lê um conto seriado. Mas quando você está devorando o livro, é bem chato. Imagino o porre que foi para escrever.

Apesar de ser execrada por muitos fãs e até pelo próprio autor, essa história term muitos aspectos positivos. Fugindo do seu estilo habitual, Lovecraft escrever uma história sangrenta e com cenas chocantes. A narrativa acaba sendo mais ágil do que o habitual ritmo lovecraftiano e várias reviravoltas acontecem conforme a história avança.

Além disso, o Dr. West é, de longe, o personagem humano mais interessante criado pelo autor. Descrito como um indivíduo franzino, inofensivo e delicado, sua genialidade funciona como motor para sua loucura, o que o torna um dos homens mais perigosos que já habitaram as páginas escritas pelo Cavalheiro de Providence.

Outro ponto: os "reanimados", as pessoas mortas que foram trazidas de volta  à "vida" pelo reagente desenvolvido pelo Dr. West, são os seres que posteriormente conheceríamos como "zumbis: corpos mortos reanimados, dotados de agressividade e selvageria extrema, famintos e incontroláveis.

Em resumo, os fãs puristas podem torcer o nariz, mas Herbert West - Reanimador funciona muito bem como uma história de suspense, terror e horror. Apresenta um conceito interessante onde a ameaça é deslocada para a ciência e não para o sobrenatural. Tem um protagonista marcante. Várias reviravoltas. Sangue aos baldes. E os reanimados!

Ou seja, se a combinação desses fatores te parece interessante, não perca tempo. Aposto que você vai gostar dessa história!




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