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sábado, 1 de outubro de 2016

Do Outro Lado do Corredor

O filme, uma comédia de segunda categoria com atores de quinta, estava na metade quando Augusto levantou-se do sofá para pegar mais uma cerveja na geladeira. Teve a decência de perguntar a Amaral, o dono da casa, se ele iria querer uma também. Só não fez a mesma pergunta para Peixoto, que cochilava no sofá com os pés sobre a mesinha de centro, repleta de latas de cerveja e refrigerante.

- Pega também uns amendoins no armário.

A cozinha era o local mais organizado da casa. Amaral convidara alguns amigos da faculdade para umas de suas muitas festas de sábado. Em geral envolviam bastante cerveja, conversas idiotas, um jogo de cartas e algumas beldades da faculdade. Infelizmente as meninas bonitas estavam escasseando, provavelmente indo a lugares mais interessantes, e as festas de Amaral começavam a parecer mais com uma combinação entre barbearia e boteco. As poucas meninas que haviam comparecido estavam com seus namorados. Lá pelas 23h, quando a festa deveria estar começando, os convidados começaram a pegar o rumo de suas casas.

Bom, pelo menos ainda havia bastante cerveja na geladeira.

Enquanto procurava o bendito saco de amendoins no armário, ouviu um barulho no corredor do prédio. Uma risadinha de mulher. Como estava perto da porta de serviço, espiou pelo olho mágico. Conseguiu ver as escadas do prédio e a porta do apartamento em frente. Estava parcialmente aberta e lá dentro tudo estava escuro. Ficou olhando por mais alguns segundos, curioso para ver a dona da risada. Teve a impressão de ver algo se mover lá dentro e de ouvir o som de algo sendo arrastado. A porta do vizinho se abriu um pouco e depois se fechou com um baque.


Por um breve momento, teve a impressão de também estar sendo observado.

Pegou as latas que estavam sobre a pia e voltou para a sala.

- Prédio sossegado esse seu – disse entregando a lata para Amaral – Sabe se tem algum apartamento para alugar?

- Acho que uns dois ou três.  O aluguel daqui é meio caro... E ainda tem o condomínio. Se não fosse o Peixoto pra rachar o valor eu ainda estaria na casa dos meus pais... Mas nem é tanto pelo aluguel que eles continuam vazios... Pelo menos eu acho.

O filme estava quase no fim quando terminaram suas cervejas. Amaral arrotou alto o suficiente para perturbar o sono de Peixoto, que resmungou e se mexeu um pouco.

- Não é melhor acordar o coitado e mandá-lo para a cama?

- Eu não sou esposa dele. Ele que durma aí. Contanto que não ronque...

Amaral começou a pular de um canal para o outro. Augusto não estava com a menor vontade de ir para casa. Não tinha cerveja lá. Torceu para que o amigo achasse um filme menos pior que o último.

Dessa vez Amaral foi até a cozinha e voltou com quatro cervejas e um saco de batatas.

- Você falou que não era tanto pelo aluguel... Qual o problema então?

- Uma coisa que o porteiro me contou. Contei a história pro Peixoto... Cara, você precisava ver. Ele ficou uns dois dias dormindo com a luz do quarto dele acesa.

- Sério?

- Acredita nisso? Um futuro matemático...

- E o que foi que ele contou?

Amaral acabou sua cerveja e abriu a outra.

- Uma dona aqui do prédio ficou louca. Matou o marido envenenado. Ela era professora aposentada e o marido era protético... Desses caras que fazem dentaduras. Acharam estranho quando o cara sumiu da firma e ela sempre dava uma desculpa quando procuravam por ele.

Encheu a boca de batatas fritas, ajudando-as a descer com mais um gole de cerveja.

- Os vizinhos achavam que ele estava em casa porque ouviam a tal dona rindo e conversando. Parece que ele nunca foi de falar muito, então ninguém estranhava ouvir só a voz dela. Que combinação... tagarela e assassina...

- ... E maluca.

-Escuta só o final. Começaram a sentir um fedor pelo prédio todo coisa de um mês depois dele sumir. Até que um vizinho do prédio que ficava de frente pra eles chamou a polícia. O cadáver do cara estava na cama deles e o coitado viu o defunto pela janela. Quando a polícia bateu na porta dela, ela tomou o mesmo veneno que tinha dado para o marido.

Augusto assobiou admirado.

- Que coisa bizarra... Mas não parece o suficiente pra tirar o sono de alguém... Não sabia que o Peixoto era tão frouxo assim. Tem muito tempo isso?

- Uns cinco anos. Abafaram muito do caso. Eles eram um casal normal e querido até ela surtar. Mas os moradores dos prédios vizinhos sabem da história toda... E toda vez que alguém vem para ver um apartamento, acabam soltando alguma coisa.

- Bom, se for só por isso... – Augusto tomou um gole da sua cerveja, amassando a lata. Abriu a próxima, mas ficou só segurando a lata, sem beber. Sentira a cabeça girar um pouco. Era melhor evitar exagerar ou corria o risco de errar o caminho para casa. - E em qual apartamento foi isso?

- O daí da frente. Nosso vizinho. Até hoje não conseguiram alugar... O Joel, o porteiro, disse que o cheiro do coroa ficou impregnado lá dentro. E também falou que toda semana alguém reclama de barulhos lá. Coisas raspando no chão, pancadas na parede, coisas sendo arrastadas... Teve uma que interfonou pra portaria no meio da noite reclamando de risadas lá dentro. Claro que ele nem se coçou. Sabe como são as pessoas... Adoram acreditar nas coisas que imaginam. Eu acho que tudo não passa de ratos e pessoas que se impressionam a toa... O lugar está vazio desde antes de nos mudarmos.

Augusto ficou segurando a cerveja e sentindo os dedos adormecidos. Não era pelo frio da lata. Era puro e simples medo.

- Quer mais uma cerveja? – perguntou Amaral.

Augusto queria. Decidiu beber o máximo que pudesse e esperar o dia raiar para voltar para casa. Não queria correr o risco de que a porta abrisse no momento em que ele estivesse esperando o elevador.


Nem queria imaginar o que poderia estar dentro daquele apartamento, logo ali, do outro lado do corredor.










domingo, 25 de setembro de 2016

Corretagem



O corretor falou para o casal sobre a localização, o bom estado e o preço excelente do imóvel.

Mas nunca mencionaria os corpos que o antigo inquilino emparedara antes de se matar.


segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Vento lá fora

Noite.

Nono andar.

- Tem alguém lá fora, papai.

- É só o vento - respondo fechando as  cortinas e ignorando o rosto que me encara do outro lado da janela.


terça-feira, 13 de setembro de 2016

Trilha


Continuei correndo pela trilha o mais rápido que podia. Se chegasse bem longe da cidade quando a lua cheia surgisse, não machucaria ninguém.


 

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Ronda

Naquele horário não havia mais ninguém no prédio. Mesmo assim o vigia noturno viu a porta do elevador se abrir e fechar. E podia jurar que viu uma mulher velha la dentro.


sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Entrega para o Professor Barreto

 O relógio de parede marcava 16h45 quando o entregador dos correios cruzou a porta. Trazia um pacote do tamanho de uma caixa de sapato embrulhado em papel pardo na mão esquerda e uma expressão de mal estar no rosto.

- Boa tarde. Entrega para o senhor Barreto. – Arfou o recém-chegado.

Mena desviou os olhos dos papeis que organizava no fichário. Ergueu-se mais por educação do que por necessidade e contornou sua mesa, indo na direção do homem.

- O Professor Barreto não está. Sou a secretária dele... O senhor está bem? Parece meio...

Ia dizer pálido, mas na verdade o rosto do homem mostrava um tom amarelo doentio. Apesar da temperatura agradável, sua testa estava porejada de suor e o peito da camisa do uniforme, molhada.

O homem derrubou a caixa sobre a mesa e cambaleou. Mena conseguiu amparar a queda parcialmente. Usando o corpo como uma escora, aproximou-se a tempo do sofá de espera, onde o homem desabou.

Foi para o corredor pedir ajuda, mas não havia ninguém ali. As aulas haviam terminado no dia anterior e o vigilante que deveria estar ali sumira.

Voltou correndo e encheu um copo com água. Quando passava na direção do bebedouro, ao olhar o homem, notou que ele parecia melhor. Ou, pelo menos, melhorando.

Entregou o copo. A mão do homem ainda tremia um pouco, mas o suor na testa havia diminuído.

- Desculpe, dona. Não sei o que aconteceu... Desde que desci do carro não estou muito bem.

O homem bebeu o copo de água com goles curtos, respirando fundo enquanto o fazia.

- Nossa! Parecia uma mistura de resfriado, dengue e anemia... Cruz Credo! Devo ter te assustado muito, né?

- Um pouco, sim.

- Mas já estou melhor. – entregou o copo e levantou com certo esforço. Tirando um papel amarrotado do bolso traseiro da calça, entregou-o para a secretária.

– Assine aqui, por favor. Onde está marcado de caneta. Nome e R.G.

A secretária obedeceu, mas lançou um olhar preocupado ao entregar o papel.

- Tem certeza de que está bem? Pode ficar mais um pouco se precisar...

- Não, não. Estou me sentindo melhor mesmo. Deve ter sido uma bobeira... Depois procuro um médico e faço alguns exames... Coisa da idade...  Bom, obrigado pela ajuda.

Quando saía, olhou rapidamente para a caixa, sentindo um arrepio percorrer sua nuca.

Mena foi até o corredor e o observou caminhar até a rampa que levaria ao hall dos elevadores. Talvez o homem tivesse abusado da sorte e, em vez de esperar pelo elevador, resolveu vir pelas escadas. Nem todo mundo estava preparado para subir nove andares. Aquele mal estar podia ter sido a maneira do corpo dizer “corta essa”.

Todos os outros departamentos já haviam encerrado, mas o professor Titular do Departamento de História Antiga resolvera ficar até mais tarde. Que bom pra ele.

Olhou para a caixa caída sobre a mesa. Havia o endereço e o nome do remetente. Um tal José de Arimatéia havia enviado a encomenda de Porto Velho. Pensou por quantas mãos aquela encomenda passara antes de chegar ao Rio de Janeiro. O que seria?

Ergueu a mão e aproximou o dedo em riste para tocar a fileira de 12 selos postais. Sempre fora fascinada por selos, chegou a ter uma coleção quando era adolescente. O dedo tocou o selo.

Ela o recolheu rapidamente.

Sentiu uma onda de repulsa percorrer seu corpo. Mas não foi o selo. Tocar o pacote foi como tocar algo desagradável, algo ruim... Lembrou-se do dia em que uma lacraia subiu por sua perna enquanto tomava banho. Trincou os dentes.

O telefone tocou:

- Departamento de História, sala do Professor Titular Barreto.

- Boa tarde, senhorita Mena. Sou eu. Alguém me procurou?

- Boa tarde. O professor Venceslau deixou os resultados das avaliações de desempenho dos alunos junto com um material de pesquisa que o senhor havia solicitado. E chegou um pacote para o senhor...

Ouviu o Professor respirar profundamente pelo telefone.

- Dispense qualquer um que aparecer e cancele qualquer compromisso da noite.

Mena sentiu a conhecida voz do seu chefe diferente. Ele parecia empolgado. Desligou o telefone e ficou pensando se a empolgação seria por causa do material deixado pelo outro professor ou por causa da caixa.

Deixou o pacote onde estava e concentrou-se nos seus afazeres.

Já passavam de 17h50 quando o professor chegou. Lançou um olhar para a caixa, ainda sobre a mesa. Depois de cumprimentar a secretária rapidamente, pegou o pacote e o envelope deixado pelo professor e entrou em sua sala.

Passaram-se alguns minutos. Mena estava atualizando planilhas com os horários de agosto quando o telefone de sua mesa tocou. Dois toques curtos, dois toques longos. Ligação interna.

- Senhorita Mena, a senhora já pode ir pra casa. Preciso analisar alguns itens e não vou mais receber ninguém hoje.

Dessa vez a voz do chefe parecia ainda mais diferente. Ele parecia cansado.

- Tem certeza, Professor? Ainda não são nem...

- Todos já foram embora. Vá para casa também. Nos vemos em agosto. Bom descanso.

E desligou.

Mena obedeceu. Recolheu todos os papéis de cima da mesa, desligou o computador e arrumou sua bolsa. Saindo da sala, viu o vigilante parado no corredor. Ele a cumprimentou, mas ela preferiu ignorar.

Já estava perto da entrada do Metrô quando parou. Procurou na bolsa por quase 5 minutos até desistir e reconhecer que tinha de voltar. Suas chaves de casa ficavam no mesmo chaveiro onde as que abriam sua gaveta no trabalho estavam. Não era a primeira vez que as esquecia. Percorreu o caminho até o hall dos elevadores xingando-se mentalmente.  

Apertou o botão do elevador. Com o fim das aulas, só um elevador funcionava. Utilização consciente de recursos. Xingou o dono dessa ideia também.

Atravessou a rampa do nono andar andando rápido. Bufou ao ver que o vigilante, mais uma vez, não estava ali.

No caminho para a sala, o próprio som de seus passos no corredor vazio a sobressaltou. Nunca sentira problemas em ficar ali sozinha, mesmo quando precisava trabalhar até tarde. Mas agora alguma coisa estava diferente. Era como se algo a espreitasse ou esperasse por ela.

Abriu a porta lentamente, procurando não fazer barulho. Não queria dar ao chefe a impressão de ser distraída ou avoada. Entrou como um ladrão e viu a chave presa na gaveta. Conseguiu pegá-la evitando o tilintar denunciador e fechava o zíper da bolsa quando ouviu um som na sala do professor.

Ficou parada ouvindo. Então o som se repetiu. Parecia um balão com água sendo espetado. Aproximou-se da porta. Já havia se convencido de que imaginara o som, quando um gemido chegou aos seus ouvidos.

Ela empurrou a porta devagar, abrindo só uma fresta. A luz da sala estava apagada, mas uma luz bruxuleante iluminava fracamente o ambiente. Ela sentiu cheiro de parafina. Pela fresta podia ver apenas a parede repleta de diplomas do Professor.

- Professor Barreto? O senhor está bem?

Empurrou a porta mais um pouco e entrou.

O Professor Barreto estava caído de borco sobre a mesa, a cabeça tombada sobre um dos braços, o outro escondido sob o corpo. Ela conseguiu ver a caixa aberta perto da mesa, no chão, e uma vela acesa sobre o tampo da mesa. Acendeu a luz e aproximou-se, chamando o professor pelo nome. Notou que na parede atrás dele uma espiral vermelha havia sido desenhada. Foi então que estacou. O professor começou a se mexer.

Se mexer não era a palavra adequada. Na verdade era como se ele tivesse sido atacado por um acesso de tosse. O corpo se sacudia, mas era um movimento estranho, espasmódico. Foi então que ele ergueu o corpo, mas mesmo esse não foi um movimento natural. Parecia que alguém havia puxado cordas invisíveis e que o professor, agora um marionete, havia sido levantado.  O movimento violento fez com que a vela caísse no carpete da sala, mas ela não percebeu isso.

O rosto do homem estava coberto pelo que pareciam as maiores espinhas do mundo. Tinham o tamanho de uvas. Algumas haviam estourado e vazavam um líquido amarelado.  Enquanto olhava, paralisada e sentindo sua sanidade se esvair, uma das espinhas do rosto estourou, com o mesmo som que ela ouvira a pouco.

Ela conseguiu ver a outra mão do professor, a que estava escondida sob seu corpo. Primeiro achou estranha a posição como a mão se projetava. Um estalo fez com que ela percebesse que aquela não era a mão do professor. E com uma certeza maldita ela soube que aquilo havia saído da caixa que chegara pelo correio.

Era uma mão humana seca e mumificada. A cor amarelada era a mesma que vira no rosto do entregador. A mão do professor que segurava aquela abominação estava coberta pelas mesmas pústulas que apareciam no rosto, com a diferença de que a grande quantidade tornava o membro irreconhecível. Parecia uma couve flor alienígena, inchada e pulsante.

As últimas coisas que viu antes de sair correndo da sala foram alguns papéis que pareciam pergaminhos sobre a mesa na frente do professor e os olhos do homem. Eram os olhos de um louco que se atreveu a abrir portas que deveriam ser mantidas fechadas e teve o cérebro reduzido a nada pelo conhecimento que alcançou.

O detector de fumaça apitando fez com que o vigilante abandonasse a conversa com a menina bonitinha da cantina e corresse na direção do Bloco B. Parou antes de chegar à sala de onde vinha o som, pois a secretária estava deitada em posição fetal no meio do corredor. Quando outros vigilantes chegaram ao local, a sala já ardia em chamas. O incêndio foi controlado a tempo, tendo destruído apenas a sala do professor e parte da antessala. O corpo do professor foi encontrado calcinado.


A secretária nunca contou o que viu naquele lugar e pediu demissão antes do final das férias.  Atribuíram isso ao incidente. Depois disso, não se soube mais dela.

Um ano depois, ao final da reforma, a sala recebeu o nome do professor, como uma homenagem póstuma, e foi cedido ao Centro Acadêmico dos alunos de História. Apesar de ficarem satisfeitos com o espaço, não era incomum ouvir reclamações entre os que frequentavam o local. Alguns falavam sobre o cheiro de algo queimado que parecia impregnar o ambiente de vez em quando. Outros não se sentiam confortáveis quando a noite chegava. Sentiam-se observados por algo mau.

Não sabiam, mas realmente algo espreitava nas sombras.
Hedjan C.S.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Listinha


Último dia de aula. Correu e arrancou o papel com o nome dos coleguinhas de turma da parede. Ainda não decidira quem mataria primeiro.



terça-feira, 30 de agosto de 2016

Aluna aplicada

 
 
Colocou a desempenadeira no chão. A camada de cimento estava uniforme. Logo poderia colocar o piso. Seu marido ficaria orgulhoso se não estivesse enterrado ali embaixo.

 
 

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Rua vazia

 
 



Continuei pela rua vazia, tinha que encontrar alguém. Não conseguia pensar em mais nada, só em sangue.






terça-feira, 16 de agosto de 2016

À Mesa



Dos três homens sentados ao redor da mesa, apenas um permanecia vivo. Os demais o observavam sorrindo, esperando que se juntasse a eles.




quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Na estrada

De dentro do carro via a noite cair. Queria chegar logo na cidade mais próxima e abandonar o carro.

O som do que estava no porta-malas gargalhando e arranhando o metal estava abalando meus nervos.

- Eu já te matei, cadela! Você está morta! Fique quieta! - gritou sem tirar os olhos da estrada.

Uma risada aguda veio em resposta.

Pisou mais fundo no acelerador.

A sinalização indicava o próximo povoado. Achou que conseguiria.

Ouviu outra risada, mas essa foi diferente.

Mais perto. Do lado do seu pescoço.

Sentiu uma respiração com cheiro de coisas podres em seu pescoço.

Sabia que não devia virar a cabeça. Ela estaria do seu lado, o encarando. Não queria ver os olhos negros, a pele branca, os dentes tortos e pontudos.

Pisou ainda mais fundo, até sentir que perderia o controle do carro.

Ela gargalhou mais uma vez. E cravou seus dentes no pescoço dele de uma vez.




terça-feira, 2 de agosto de 2016

O que se move entre as nuvens


O que se move entre as nuvens

Em um dia comum, sua preocupação maior ao ver as nuvens seria com o guarda-chuva que tinha deixado em casa.

Mas aquelas nem de longe pareciam nuvens de chuva comuns.

Não era um homem religioso, mas nunca havia entendido tão bem o conceito de Juízo Final. Finalmente percebeu que, diante de certas forças do universo, não passava de um inseto consciente de sua insignificância.

Infelizmente, percebeu isso tarde demais. O que se desenhou nas nuvens acima de sua cabeça não podia ser chamado de rosto. Muito menos o som que chegou aos seus ouvidos podia ser um trovão.

Mas tinha certeza que aquilo que conseguira divisar, segundos antes que sua sanidade o abandonasse para sempre, era um gigantesco tentáculo cruzando uma das nuvens.










segunda-feira, 1 de agosto de 2016

A Casa nos Fundos


A Casa dos Fundos


Nos fundos de um arranha-céu no Centro do Rio de Janeiro, uma casa abandonada continua de pé.

De dia ou de noite, nenhuma luz é acesa, nenhuma porta é aberta, nenhuma conversa acontece em seu interior.

Entrei nessa casa em uma noite de outubro de 1985. Fugia da polícia. Pulei um muro, forcei uma janela do térreo e fiquei escondido. A polícia não me achou.

Mas outra coisa me achou. Algo que se movia ali dentro. Algo que espreitava e esperava.

Desde então estou aqui.

Se você olhar pelas janelas, talvez possa me ver.

Hoje eu também me movo aqui dentro. Espero. E espreito.