sábado, 13 de agosto de 2016

A Pata do Macaco - W.W. Jacobs (Parte 3)


III


No enorme cemitério novo, a alguns quilômetros de distância, os velhos enterraram seu morto e voltaram para casa mergulhada em sombras e silêncio. Tudo terminara tão rápido que a princípio nem se davam conta do que acontecera, e ficaram num estado de expectativa como se fosse acontecer mais alguma coisa — algo mais que aliviasse esse fardo, pesado demais para corações velhos.



Mas os dias se passaram, e a expectativa deu lugar à resignação — a resignação desesperançada dos velhos, às vezes chamada erradamente de apatia. Algumas vezes nem trocavam uma palavra, pois agora não tinham nada do que falar e os dias eram compridos e desanimados.

Foi por volta de uma semana depois que o velho, acordando subitamente de noite, estendeu o braço e viu-se sozinho. O quarto estava no escuro e o ruído de soluços baixinhos vinha da janela. Ele se levantou na cama e ficou ouvindo.



– Volte para a cama — disse ele ternamente. — Você vai ficar gelada.


– Está mais frio para ele — disse a senhora, e chorou novamente.

O som de seus soluços apagou-se nos ouvidos dele. A cama estava quente, e seus olhos pesados de sono. Ele cochilava a todo instante e acabou pegando no sono, quando um súbito grito histérico da esposa o despertou com um sobressalto.

– A pata! — gritou histericamente. — A pata de macaco!

Ele se levantou, alarmado.

– Onde? Onde está? O que houve?

Ela correu agitada até ele.

– Eu quero a pata — disse ela calmamente. — Você não a destruiu?

– Está na sala, em cima da prateleira — replicou ele atônito. — Por quê?

Ela chorou e riu ao mesmo tempo e, debruçando-se, beijou-o no rosto.

– Só tive essa ideia agora — disse ela histericamente. — Por que não pensei nisso antes? Por que você não pensou nisso antes?


– Pensar em quê? — perguntou ele.

– Nos outros dois desejos — replicou ela rapidamente. — Nós só fizemos um pedido.

– Não foi suficiente? — perguntou ele, irado.

– Não — gritou ela, triunfante; — ainda vamos fazer um.

Desça, apanhe a pata rapidamente, e deseje que o nosso filho viva novamente.

O homem sentou-se na cama e arrancou as cobertas de cima do corpo trêmulo.

– Meu bom Deus, você está louca! Gritou ele, horrorizado.

– Pegue aquela coisa — disse ela, ofegante –, pegue depressa, e faça o pedido… Ah, meu filho, meu filho!
O Marido riscou um fósforo e acendeu a vela.

– Volte para a cama — disse ele, incerto. — Você não sabe o que está dizendo.

– Nós conseguimos satisfazer o primeiro pedido — disse a senhora, febrilmente. — Por que não o segundo?

– Foi uma coincidência — gaguejou o velho.

– Vá buscar a pata e faça o pedido — gritou a esposa, tremendo de excitação.

O velho virou-se, olhou para ela, e sua voz tremeu.

– Ele já está morto há 10 dias e, além disso, ele… — eu não queria lhe dizer isso, mas… só consegui reconhecê–lo pela roupa. Se já estava tão horrível para você ver, imagine agora?

– Traga-o de volta — gritou a senhora, e o arrastou para a porta. — Você acha que tenho medo do filho que criei?



Ele desceu na escuridão, foi tateando até a sala e depois até a lareira. O talismã estava no lugar, e um medo horrível de que o desejo ainda não expresso pudesse trazer o filho mutilado apossou-se dele, e ficou sem ar ao perceber que perdera a direção da porta. Com a testa fria de suor, ele deu volta na mesa, tateando, e foi-se amparando na parede até se achar no corredor com a coisa nociva na mão.


Até o rosto da esposa parecia mudado quando ele entrou no quarto. Estava branco e ansioso, e para seu temor parecia ter um olhar estranho. Ele sentiu medo dela.



– Peça! — gritou ela, com voz forte.


– Isso é loucura — disse ele, com voz trêmula.

– Peça! — repetiu a esposa.

Ele levantou a mão.

– Eu desejo que meu filho viva novamente.

O talismã caiu no chão, e ele olhou para a coisa com medo.

Então afundou numa cadeira, trêmulo, quando a esposa, com os olhos ardentes, foi até a janela e levantou a persiana.

Ficou sentado até ficar arrepiado de frio, olhando ocasionalmente para a figura da velha senhora espiando pela janela.

O cotoco de vela, que queimara até a beirada do castiçal de porcelana, jogava sombras sobre o teto e as paredes, até que, com um bruxulear maior do que os outros, se apagou. O velho, com uma imensa sensação de alívio pelo fracasso do talismã, voltou para a cama, e um ou dois minutos depois a senhora veio silenciosamente para o seu lado.

Nenhum dos dois disse nada, mas permaneceram deitados em silêncio, ouvindo o tique–taque do relógio. Um degrau rangeu, e um rato correu guinchando através do muro. A escuridão era opressiva e, depois de ficar deitado por algum tempo, criando coragem, ele pegou a caixa de fósforos e, acendendo um, foi até embaixo para pegar uma vela.

Nos pés da escada o fósforo se apagou, e ele parou para riscar outro; no mesmo momento ouviu-se uma batida na porta da frente, tão baixa e furtiva que quase não se fazia ouvir.

Os fósforos caíram–lhe da mão e espalharam-se no corredor. Ele permaneceu imóvel, com a respiração presa até a batida se repetir. Então virou-se e fugiu rapidamente para o quarto, fechando a porta atrás de si.
Uma terceira batida ressoou pela casa.

– O que é isso? — gritou a senhora, levantando-se.

– Um rato — disse o velho com voz trêmula –, um rato. Ele passou por mim na escada.

A esposa sentou-se na cama, escutando. Uma batida alta ressoou pela casa.

– É Herbert! — gritou. — É Herbert!

Ela correu até a porta, mas o marido ficou na frente dela e, pegando-a pelo braço, segurou-a com força.
– O que você vai fazer? — sussurrou ele com voz rouca.

– É meu filho; é Herbert! — gritou ela, debatendo-se mecanicamente. — Eu esqueci que ele estava a 10 quilômetros daqui. Por que está me segurando? Me solte. Eu tenho de abrir a porta.

– Pelo amor de Deus não deixe entrar — gritou o velho tremendo.

– Você está com medo do próprio filho — gritou ela, debatendo-se. — Me solte. Eu já vou, Herbert; eu já vou.

Ouviu-se mais uma batida, e mais outra. A senhora com um arrancão súbito soltou-se e saiu correndo do quarto. O marido seguiu-a até a escada e chamou-a enquanto ela corria para baixo. Ele ouviu a corrente chocalhar e a tranca do chão ser puxada lenta e firmemente do lugar. Então a voz da senhora soou, nervosa e ofegante.

– A tranca — gritou ela alto. — Desça que eu não consigo puxar a tranca.

Mas o marido estava de joelhos no chão, procurando a pata desesperadamente. Se pelo menos conseguisse encontrá–la antes que a coisa entrasse. Uma série de batidas reverberou pela casa, e ele ouviu o arrastar de uma cadeira quando a esposa a colocou no corredor encostada na porta. Ouviu o ranger da tranca quando esta se destravou lentamente, e no mesmo momento encontrou a pata de macaco, e desesperadamente fez o terceiro e último pedido.





- Leve-o embora! Desapareça! Faça com que suma para sempre de nossas vidas!

As batidas pararam subitamente, embora ainda ecoassem na casa. Ele ouviu a cadeira ser arrastada de volta, e a porta se abrir. Um vento frio subiu pela escada, e um gemido alto e demorado de decepção e tristeza da esposa lhe deu coragem para correr até ela e depois até o portão. 

O lampião da rua que tremulava do outro lado brilhava numa estrada silenciosa e deserta.


FIM

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